quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Carlos Drummond previu a Tragédia de Mariana e Brumadinho?



Como veremos neste artigo literário de hoje, os versos do poeta Carlos Drummond de Andrade, que nasceu em Itabira, mesma cidade em que surgiu a Vale do Rio Doce em 1942, carregam um tom de tristeza com os efeitos da mineração.

O poema Lira Itabirana foi publicado em 1984 no jornal Cometa Itabirano e jamais chegou a ganhar a versão em livro. Já a tragédia de Mariana ocorreu em 2015, com o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, que é controlada pela Vale e pela BHP Billiton. E, recentemente, o desastre de Brumadinho reforça a premonição de Drummond.

Podemos dizer que a profunda sensibilidade e criticidade do poeta deixaram no registro do poema aquilo que viria a se tornar real?
Drummond, ao longo de toda sua produção literária, não hesitou em fazer a crítica social do seu tempo. Em muitos outros escritos, o poeta desenhou um cenário realista, melancólico e assombroso da atividade de mineração no seu estado.

Vamos analisar o poema?

“Lira Itabirana”
I

O Rio?
É doce.
A Vale?
Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

II

Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

III

A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.

IV

Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Carlos Drummond de Andrade, 1984


Comentários: Observe as escolhas de palavras que, ora abordam os elementos presentes no universo das mineradoras, ora são carregadas de subjetividade e sentimentos de dor, pesar e tristeza, como acontece, por exemplo, com a polissemia da palavra carga, no final da primeira estrofe. Também, a antítese presente em doce e amargo reforça a os sentimentos contrários entre a natureza e a empresa de exploração.

Na segunda estrofe, as figuras de som que aparecem após as rimas, temos ainda “Quantos ais” (onomatopeia), referindo-se às feridas provocadas pela exploração das estatais e multinacionais e De ferro e sem berro, na quarta estrofe, criando a relação entre o elemento natural ferro, que é pesado, e o sentimento guardado por todos.   Na segunda estrofe, porém, impressiona o último verso “dívida eterna”, como que parecendo ter previsto a tragédia de Mariana pois, segundo especialistas, a natureza demorará décadas para se recuperar.

Interessante é observar como é tão atual o texto de Drummond sobre a exploração de nossas riquezas naturais. Essa é a magia da Literatura!

Fonte: http://www.lerecompreendertextos.com.br/2018/03/carlos-drummond-interpretacao-poema.html